terça-feira, 22 de maio de 2012

A pedagogia da escuta e o currículo na Educação Infantil

    Hoje quero refletir com vocês sobre a importância da escuta na educação infantil. Esse é um nível de educação que vem há alguns anos buscando construir sua identidade aqui no Brasil. Ora em uma perspectiva mais assistencialista, outra em uma visão instrumental e conteudista, ainda há muita confusão sobre a especificidade de educar crianças pequenas em instituições coletivas.
O que ensinar? De onde partir? Como fazer? São questões complexas e que merecem ser assumidas com complexidade se quisermos respondê-las. Não se trata de copiar modelos de atividades para as crianças pintarem, completarem, registrarem, mas de pensar profundamente o que significa trabalhar com crianças e como as consideramos, de fato, no cotidiano da instituição.
A concepção que temos de criança e educação infantil influencia muito nas práticas pedagógicas destinada à elas. Como de fato pensamos a criança, o que cremos que elas são capazes de fazer? Essa é uma questão, cuja resposta diz muito sobre o que fazemos.
Quantas vezes as crianças nos contam coisas engraçadas, inéditas, interessantes que nos surpreendem? Pois bem, se considerarmos as crianças como portadoras de teorias sobre o mundo, se levamos em conta que ela atribui sentido para aquilo que lhe é oferecido, que aprende nas relações que estabelece com as coisas do mundo, há que se pensar: que relações e sentidos são atribuídos a um desenho pronto e fotocopiado na qual ela tem apenas que pintar? Ou colar bolinhas de papel crepom em uma folha? Copiar uma obra de arte, e tantos outros exemplos que conhecemos muito bem? E as indagações, as questões que elas fazem sobre tudo? Onde ficam? Confinadas apenas em seus pensamentos como a folha sulfite com a qual sempre trabalham (mesmo que seja A3)?
As crianças pensam tantas coisas sobre o que ocorre no mundo, fantasiam a partir do que vêem e conhecem. Mas o que exatamente perguntam? Para onde está direcionada a sua curiosidade? O que dizem sobre o mundo? O que conhecem? Que experiências viveram? Como vivem? Como atribuem significado para elas? São tantas as perguntas a serem feitas e consideradas quando se trata de ouvir os pequenos e, escutá-los é a melhor maneira de responder as nossas indagações sobre o que e como construir uma pedagogia com a infância.
Nas Diretrizes Curriculares Nacionais, o currículo é definido como: “Conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, científico e tecnológico”.
Ou seja, currículo não é aquele que engradea, que está pronto antes mesmo de conhecermos as crianças, que se traduz em uma série de “atividades” prontas que vamos aplicando progressivamente para elas, que já está posto e cabe ao educador apenas aplicá-lo. Currículo vai sendo construído no dia-a-dia, junto com os pequenos, considerando quem são, o que sabem e como pensam o mundo. Por isso, cada currículo vai sendo construído a partir de cada grupo.
Mas isso, exige do educador uma outra postura em relação a educação infantil e aos pequenos, exige uma escuta profunda das crianças.
Afirma Eloiza Ponzo sobre a Pedagogia da Escuta: Pedagogia que acolhe a criança competente e possibilita um professor competente. Que cria um contexto de escuta [...] A escuta que legitima o outro e dá forma a seu pensamento. Escuta como um ato de respeito e amor. Escutar com os olhos, com o tato, com todo corpo. [...] Escuta é curiosidade, pesquisa, teoria”
A escuta das crianças considera não só que elas são competentes, mas acredita que o professor também o é, porque investe na idéia de que ele é a melhor pessoa para pensar como viver o currículo na educação infantil, já que é ele quem convive com elas cotidianamente.
Mas para isso, é preciso assumir que a instituição é um lugar de pesquisa, de conhecimento. E toda pesquisa precisa de instrumentos como observação (da criança e seu contexto; das interações); escuta (processo contínuo, aprender sobre a criança, como pensa e sente o mundo, como se coloca diante dos outros), reflexão sobre as experiências com as crianças e elaboração de um planejamento centrado na criança.
Isso exige uma formação continuada sólida dos professores, com espaço para reflexão coletiva, tematização de práticas, diálogo com a teoria. Trata-se de um fazer que exige aprofundamento, discussão, formação constante. Educar e cuidar das crianças é uma tarefa complexa que não pode ser delegada a “atividades” de apostilas, prontas, que desconsideram as crianças e não permitem que os professores pensem profundamente sobre quem elas são, porque aí o foco é a atividade e não quem deve ser legitimamente o centro desse processo: a criança.

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